sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Aventura

Um excerto d'A Náusea de Jean-Paul Sartre:

"Decididamente, o sentimento de aventura não vem dos acontecimentos: a prova está tirada. É antes a maneira como os instantes se encadeiam. Eis, creio eu, o que se passa: bruscamente sente-se que o tempo corre, que cada instante conduz a outro instante, esse outro a um terceiro, e assim sucessivamente; que todos os instantes se aniquilam, que é inútil tentar rever algum, etc., etc. E então atribui-se essa propriedade aos acontecimentos que nos aparecem dentro dos instantes; o que pertence à forma é trasladado para o conteúdo. Em suma, esse famoso correr do tempo, fala-se muito dele, mas quase não se vê. Vê-se uma mulher, pensa-se que será velha um dia, somente não a vemos envelhecer. Mas em certos instantes, parece que a vemos envelhecer e que nos sentimos envelhecer com ela: é o sentimento de aventura.
Chama-se a isso, se bem me lembro, a irreversibilidade do tempo. O sentimento de aventura seria, muito simplesmente, o da irreversibilidade do tempo. Mas porque é que não o vemos constantemente? O tempo não será constantemente irreversível? Há momentos em que podemos fazer o que queremos - ir para diante ou voltar para trás, que tanto faz uma coisa como outra; e há outros em que se diria que as malhas se apertaram, e, nesse caso, impõe-se não falhar a cartada, porque a ocasião não se repetiria."

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